Tudo é um Processo

Eu já estava com a ideia desse post há dias na cabeça, mas só agora sentei pra realmente escrever. 

Como diz título, tudo na vida é um processo. A gente não aprende as coisas do dia para a noite, tudo leva tempo, e eu sempre acreditei nisso. Na dança não é diferente, deve haver uma progressão pedagógica que permita que o nosso corpo entenda a mecânica dos passos, e assim possamos realizar os movimentos da forma mais correta possível. Não importa se você começa na infância, na adolescência ou na idade adulta, esse cuidado é imprescindível! Ou pelo menos deveria... A minha trajetória na dança que o diga. Hoje eu percebo que esta foi um tanto descompensada.

Bem, quando criança eu não sonhava em ser bailarina, mas tive algumas experiências com dança nessa fase. Na época da pré-escola, eu tinha aulas de ballet na escola regular. Entre 8 e 9, fiz dança do ventre, eu adorava e ainda me ajudou a soltar a região do quadril. Acreditem, eu sequer conseguia rebolar de tão dura que eu era! Depois, entre 10 e 11 anos, novamente tive aulas de ballet dentro da grade da escola regular. Dessa época, lembro de uma aula sobre grand jetés e outra sobre o famoso espacate. Cheguei até começar a ensaiar uma coreografia, que era mais voltada para o jazz, mas não cheguei a me apresentar. Mesmo com essa pouca bagagem, o ballet ainda não enchia os meus olhos.

O amor pela dança mesmo veio somente aos 14 anos, e como todo mundo aqui nesse blog já sabe, o meu ponto de partida foi o ballet O Quebra-Nozes. Sempre digo que esse soldadinho ganhou meu coração e me apresentou esse universo. Já nessa época eu queria fazer aulas, mas entre querer e poder, a distância era longa... 

Aos 19 anos, conheci a Rosáiris Corrá, que foi primeira bailarina do Teatro Guaíra por 17 anos. Na época, ela dava aulas em um espaço no bairro da Moóca, em São Paulo, foi quando fiz a primeira aula de ballet da minha vida. Uma aula de verdade! Ela é uma profissional incrível que hoje tem sua própria escola, a Cenário Estúdio de Dança. Acabei não seguindo como sua aluna, mas nos tornamos amigas e mantemos contato até hoje! Se tem alguém que eu indico de olhos fechados, com certeza é a Corrá! Ela faz um trabalho sério, não importa a idade do bailarino.

Somente aos 22 anos eu comecei as aulas regulares pra valer! O meu intuito sempre foi me formar como bailarina e descobri essa possibilidade através da Royal Academy of Dance. Um dia, descobri por acaso que uma escola no bairro que eu morava era filiada ao método e não pensei duas vezes: no começo de 2011 eu me matriculei e comecei as aulas. Vocês não imaginam a alegria que senti... Eu até já escrevi sobre isso aqui.

Bem, tudo era novidade, o professor tinha uma didática incrível, gostava muito dele... Mas hoje percebo que ele apressou demais algumas coisas. Em dado momento da primeira aula, ele vira pra turma e fala: "vamos aprender piruetas!". Da minha parte, fiquei bastante espantada pois é um passo muito complexo para uma turma que nunca tinha feito aula na vida! Ao mesmo tempo, a alegria de fazer a primeira de muitas aulas acabou ofuscando esse detalhe. O choque de realidade veio só depois, ao comentar sobre as piruetas com um colega de Florianópolis, que é bailarino e na época, dava aulas de baby class. Ele foi categórico: "Sua louca, sai dessa escola! Não se ensina pirueta no primeiro dia!". Eu fiquei realmente tensa e pedi a opinião de outros professores que conhecia, inclusive da própria Corrá. No fim, acabei permanecendo na escola e decidi confiar no que o professor estava fazendo...

Não preciso dizer que conforme as aulas iam avançando, ele passava passos não condizentes ao primeiro ano né? Tudo bem que era uma turma de adultos, que nessa fase o corpo já está formado, mas isso não significa que não deva haver a progressão pedagógica que falei no começo. Só pra vocês terem ideia, além das piruetas, naquele semestre também vimos, por exemplo, grand jeté en tournant e temps de flèche. Sem contar as aulas de alongamento que, ao meu ver, eram puxadas além da conta. A gente sabe que alongamento é sempre sofrido, até hoje eu sofro com o alongamento de segunda posição, que para mim é o mais doloroso! Mas daí a você fazer aula uma vez por semana e ficar com a parte de trás do joelho doendo e sem conseguir andar direito até a quarta-feira seguinte? Muitos poderiam dizer que é porque eu não estava acostumada. Mas uma coisa é certa: não é normal sentir dor por tanto tempo assim!

Eis que no começo do semestre seguinte, esse professor saiu da escola. Foi de uma hora para a outra, pegou todo mundo de surpresa! Naquele ano, dançamos O Quebra-Nozes e ele seria o nosso Drosselmeyer. Os motivos da saída dele eu desconheço, mas eu notei que depois disso, a estrutura das nossas aulas mudou consideravelmente. Agora sim parecia uma turma de primeiro ano, com passos mais condizentes com o nível.

Passado isso, veio o segundo ano, e por sermos adultas, colocaríamos as pontas ainda no primeiro semestre. Claro que antes seria feito todo um trabalho de fortalecimento de tornozelo, panturrilha... Mas ainda assim, acho que foi cedo demais. Só pra comparar, sei que outras escolas costumam colocar a ponta nos adultos a partir do terceiro ano. Se não bastasse isso, naquele ano mesmo começamos a aprender piruetas na ponta! Preciso dizer que eu não conseguia? Aliás, eu ficava muito frustrada, pois as outras meninas estavam tendo algum progresso e eu não chegava nem perto! Não simplesmente pela dificuldade, pois de novo eu estava aprendendo um passo complexo demais num momento um pouco precoce, mas também por causa do meu histórico corporal.

Eu tenho pé plano. Na infância, usei botinha e tênis ortopédicos, o que ajudou a criar aquela voltinha que diferencia o pé direito do esquerdo. Mas por conta dessa característica, eu virava muito os pés do nada. Eu simplesmente pisava, eu sentia que o osso deslocava e eu ia com tudo pro chão. Perdi a conta de quantas vezes isso aconteceu nos dois pés ao longo da minha vida. Na época eu não sabia, só hoje eu entendi que quem tem pé plano pode ter frouxidão ligamentar e esse é o meu caso. Por conta disso, tenho imensa dificuldade nas aulas de ponta, principalmente pelo meu pé esquerdo não ser tão forte. Mesmo com 11 anos de ballet nas costas, eu ainda não consigo girar uma pirueta na ponta! Se eu tentar, pra esquerda até vai, pois o pé de base é o direito, que é o meu pé mais forte e tenho mais segurança. Mas pra direita é um terror, eu sempre sinto medo! Se preciso de um médico? Pra ontem! Mas minha vida sempre foi tão atribulada a nível financeiro que até hoje não consegui priorizar isso... Por favor, não me julguem!

Eu lembro que por vezes eu ia estudar sozinha na escola e sempre ficava naqueles momentos filosóficos me perguntando: será que é isso mesmo? Bom, bastava ver um vídeo de apresentação pra me lembrar os motivos de ter começado e não desistir.

Aí veio o terceiro ano. Esse com certeza foi um ano hard! Se por um lado, eu finalmente consegui começar a fazer os exames da Royal a partir do grade 2, como eu planejava desde o começo, por outro eu peguei matérias muito avançadas pro meu nível. Nessa escola, as aulas para os exames da Royal eram separadas das aulas normais. Eu estava fazendo apenas uma vez na semana, de sábado de manhã, e a maioria da turma estava pelo menos dois anos a frente de mim. Qual era a matéria que prevalecia? Bem, eu tive que rebolar: no primeiro semestre aprendi barra e parte do centro do grade 6 (graças a Deus, os grades da Royal são na meia ponta!) e a partir do segundo, peguei as aulas do antigo advanced foundation, que faz parte das matérias vocacionais e onde entra técnica de pontas. Preciso dizer que sofri muito? Por vezes, não conseguia fazer as coisas que a professora pedia no centro, a piruetas não saiam, fouettés então... pior ainda! Eu lembro que em várias ocasiões chorava internamente e me sentia uma elefanta usando um tijolo cor-de-rosa nos pés!

Claro que nem tudo foram pedras, nesse ano teve alguns saldos positivos, como a prova do grade 2, que consegui fazer com sucesso. E eu pretendia seguir fazendo o 3, o 4, o 5, e assim por diante. Hoje eu entendo que, instintivamente, eu queria através das provas construir no meu corpo a progressão pedagógica que me faltou desde o começo. Mas quem disse que as coisas seriam assim?

Veio o quarto ano, e se nos três primeiros a coisa foi bem hard, nesse desacelerou completamente! Primeiro por que passei a fazer aulas à noite, durante a semana, e que passaram a ser alternadas: uma de ponta e outra de meia ponta. Quando comecei as aulas para o grade 3, essas eram a tarde e no mesmo dia que tinha aula de ponta. Eu juro, tentei fazer as duas aulas no mesmo dia, mas meu corpo não aguentou! Mesmo tendo resistência por fazer aulas regularmente, eu não tinha o costume de fazer várias aulas no mesmo dia com um espaço de tempo entre elas. Conclusão: meu corpo esfriou e quando chegou a noite, eu me senti extremamente cansada e não rendi tanto quanto deveria. A solução foi fazer apenas as aulas da Royal e pegar a outra aula da semana, que também era na meia ponta. Acabei ficando sem aulas de ponta naquele semestre, pois pra ajudar, a professora não quis mudar o dia da ponta, pois era quando tinha mais alunas.

No segundo semestre, até consegui pegar algumas aulas de ponta, mas sabendo do meu interesse pelos exames da Royal, a gente começou a passar as matérias dos grades quatro e cinco. Isso aconteceu pois as aulas estavam muito vazias, eu praticamente estava tendo aulas particulares! Vez ou outra, iam mais alunas, então a aula era mais livre e por vezes com pontas. Mas no fim das contas, minha técnica de ponta acabou ficando um tanto defasada...

No quinto ano eu saí do estúdio que eu estava e demorei até encontrar outra escola certificada pela Royal. Por conta da correria da inscrição para os exames, acabei indo fazer aulas em São Caetano. Por mais que não fosse tão longe, querendo ou não era outra cidade. Nessa época eu sempre escutava que, por ter começado adulta no ballet, eu tinha que terminar logo. Ao conversar com minha nova professora, eu tomei uma decisão: por ter aprendido parte dos grades 4 e 5 no anterior e parte do grade 6 no terceiro, eu achei que dava para pular dois níveis e fazer o grade 6.

Hoje eu vejo que foi um grande erro. A progressão que comecei a construir eu mesma coloquei por terra, e porque? Tudo para terminar logo! Eu consegui aprender a matéria? Consegui. Deu pra fazer a prova? Deu. Mas com um resultado bem abaixo das provas anteriores que prestei! Será que, se eu não tivesse pulado nada, quando chegasse no grade 6 minha nota seria melhor? Acredito que sim... 

Pra resumir, nesse estúdio eu estava fazendo duas aulas na semana direcionadas para o exame. Ou seja: não tive aula de ponta! Só comecei a pegar a ponta quando começaram os preparativos para o espetáculo. Só que eu não tinha aula, eram só ensaios na ponta. Mais uma vez, a aula de técnica de pontas ficou esquecida...

Minha saga do grade 7 eu já contei de forma detalhada aqui. Mas para resumir: só podia fazer aula uma vez por semana, tinha que conciliar estágio, ballet e ainda pagar o que devia na faculdade. Por conta disso, as aulas de ponta foram para o espaço (como já disse, os grades são na meia ponta) e pra completar, tive exame da Royal e mudança de casa no mesmo dia. Foi realmente uma loucura!

Quando passou a prova, eu estava morando num bairro tão afastado que, além demorar mais tempo pra chegar na escola, eu não estava conseguindo ir com frequência por conta do financeiro. A última vez que estive lá foi realmente muito constrangedor. Por não saber se eu iria ou não, a professora marcou ensaio de um dos personagens do espetáculo daquele ano no horário da minha aula! Eu acabei aparecendo e ela teve que se revezar: me dava um exercício, parava e ia ensaiar com o rapaz. Me dava outro exercício e parava de novo. E assim foi até o fim da aula. Eu me senti tão mal que resolvi parar um mês mais cedo, até porque eu não iria dançar no espetáculo. Achei melhor assim.

Eu cheguei a conversar com a minha professora no ano seguinte, quando eu pretendia prestar o grade 8, e ela me aconselhou a prestar o grade 5 antes da prova final. "Não se deve pular etapas", ela me disse. Mas como dizer isso pra minha mãe, que estava contando os dias pra eu terminar logo o ballet? No fim das contas, por várias razões, eu acabei ficando afastada da Royal por quatro anos. 

Nesse meio tempo, fiz aulas em uma escola livre para adultos por conta de uma parceria que fiz com a professora. Se não fosse por isso, eu teria ficado 100% parada! Foi um tempo bom, aprendi uma barra solo que faço até hoje e vou levar pro resto da vida! As aulas eram muito boas, principalmente as de um professor que também teve base Royal, e por isso eu me identificava muito! Mas talvez por ser uma turma de iniciantes nas pontas, não fazíamos muitas coisas no centro. Às vezes, ficávamos tanto tempo na barra que não sobrava nem tempo!

Resumindo: no primeiro ano da escola livre, eu fazia aulas duas vezes por semana e ensaiava aos sábados, eu iria participar de um espetáculo e na última hora, por motivos pessoais, acabei tendo que desistir. No ano seguinte, passei a ir uma vez por semana, aos sábados. Até o final do primeiro semestre, estava conseguindo ir toda semana, depois ia quando dava, quando tinha dinheiro. Essa situação se estendeu no outro ano.

Nessa época, meu avô já havia sido diagnosticado com Alzheimer, era só eu e minha mãe pra cuidar dele e a situação estava ficando cada vez mais difícil. Chegou num ponto que ou eu ou minha mãe saia de casa, as duas ao mesmo tempo não dava mais. Esse contexto também influenciou bastante na minha frequência das aulas. Em 2020, veio a pandemia. Mesmo com a possibilidade de fazer aulas online, eu não tinha cabeça. Se fiz duas aulas supervisionadas por um professor foi muito! De vez em quando, estudava alguma matéria da Royal sozinha, mas não era sempre por conta da situação que estava enfrentando e que durou até dezembro, quando meu avô veio a falecer.

Ano passado vim pra Americana e foi um ano de retomada. Voltei a fazer aulas regulares em uma escola Royal daqui. Gosto muito, mas tem um esquema diferente das escolas anteriores: depois do grade 5 vai para os vocacionais, começando do intermediate, por uma questão de profissionalização. Esse foi justamente o nível que fiz aulas e foi ótimo, principalmente pelo centro. Retomei coisas que há muito não fazia, como adágio, piruetas, saltos, diagonais de giros... E até aprendi passos que nem cheguei perto nos anos da escola livre! Foi nessa escola que aprendi a respeitar mais o tempo do meu corpo, a entender que tudo é um processo. Até pra minha mãe eu consegui explicar e eu acho que agora ela começou a entender...

Mas eu queria mesmo era terminar o ciclo dos grades, finalmente fazer o oitavo. Conversei com a minha professora e ela concordou em me dar aulas particulares desse nível. Infelizmente, acabei tendo que me afastar do studio no começo do ano. Até lá, sigo estudando por conta em casa, como tem a matéria em vídeo é uma mão na roda! Estou me esforçando pra aprender sozinha e quando voltar, é só limpar e aprender o que realmente faltar. Não está sendo fácil, mas eu sei que vou conseguir!

A gente sabe que vida de bailarina tem seus altos e baixos. Mesmo não sendo aspirante a profissional, a minha não foi nada privilegiada. Mas tenho fé que vou alcançar meus objetivos. Terminar o grade 8 é só o começo...

Comentários

  1. Amiga não importa o tempo que leve, tenho certeza que você vai conseguir realizar o seu sonho. Você é bailarina na alma e isso ninguém tira, mesmo com o mundo colocando pedras no seu caminho, a nossa linda Ju vai construir o Castelo do lago com elas e dançar muito. Abraço 😘

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