O Ano Mais Difícil

A jornada de uma bailarina nunca é fácil. É sempre cheia de sacrifícios e histórias pra contar. Mesmo tendo começado depois de adulta, comigo não é diferente. Tempo, dinheiro, estudo, disciplina, dedicação... Na minha idade, 33 anos, parece que tenho que fazer o triplo pra conseguir chegar aonde desejo. Desde que comecei no ballet, o meu intuito é me formar como bailarina. Escolhi a Royal, pois além de ter uma identificação com o método, eles me oferecem a possibilidade de ser uma bailarina formada e internacionalmente certificada, independente da idade. Só quando a gente começa é que percebemos o quão difícil é, e eu não falo só da parte prática. Acho que de todos esses anos, um dos mais difíceis pra mim foi 2016, o ano que prestei o grade 7.

A começar pelo fato de que eu só podia fazer aula aos sábados. Ou seja, uma hora e meia de aula por semana para aprender todo o grade 7, parte clássica (barra e centro), free movement e dança caráter. Eu tinha acabado de conseguir um estágio em uma editora, das 13h às 19h. As aulas na semana eram à noite em outra cidade, eu morava em SP e a escola era em São Caetano, o trajeto levava cerca de 1h para ir e 1h para voltar de ônibus. Eu não tinha carro, não dirigia, e pagar um Uber sairia fora do meu orçamento. Ou seja, ficava inviável ir durante a semana. Pensei comigo que podia dar conta, afinal se tinha chegado até ali era porque eu tinha competência.

Mas lembrem-se que eu comecei no ballet depois de adulta, o corpo não responde igual ao de uma bailarina que começou na infância/adolescência. Eu tenho certa dificuldade com coordenação motora. Na hora dos exercícios que pedem mais agilidade a vontade é de sair correndo! Hoje, eu entendo que o corpo da gente tem um tempo pra conseguir incorporar os movimentos de fato. Não adianta tentar apressar a corrente do rio. Mas, justamente por ter começado adulta, o que mais ouvia da minha mãe era que eu tinha que terminar logo... 

Eu comecei a fazer aulas em 2011 e prestei meu primeiro exame em 2013, a partir do grade 2. Eu quis assim para poder aprender ao máximo! No ano seguinte fiz o 3, e no outro ano, quando mudei de escola, eu simplesmente pulei dois níveis. Por ter aprendido em sala um pouco dos grades 4 e 5 e ter visto parte da matéria do grade 6 no meu terceiro ano, achei que podia dar conta. Hoje eu sei que não deveria ter feito aquilo, afinal de contas eu estava construindo uma base no meu corpo através dos exames, e coloquei isso abaixo quando me adiantei, até mesmo por conta daquele "terminar logo" que eu tanto escutava. Mas ali estava eu, sábado após sábado tentando aprender toda a matéria do grade 7.

Se não bastasse aquilo, financeiramente minha vida estava um caos. Estagiário, vocês sabem... não ganha bem. Estava conseguindo pagar as mensalidades do ballet, mas a faculdade estava trancada e precisava juntar dinheiro para voltar no semestre seguinte. Eu cheguei a deixar de pagar o ballet por alguns meses em prol da faculdade... O que aconteceu? Surgiu uma despesa extra, que não era minha responsabilidade, mas que precisava ser saudada com urgência. E qual o único dinheiro que tinha guardado para resolver essa questão?

Bem... o que eu sei é que não paguei o ballet, tampouco pude voltar pra faculdade no semestre seguinte. Nessa hora, eu me lembrei do velhinho do filme "UP! Altas Aventuras". Ele sempre tentava juntar dinheiro para ir ao Paraíso das Cachoeiras com a esposa, mas sempre acontecia alguma coisa e a reserva precisava ser usada para outro fim. Eu preciso dizer que eu fiquei arrasada? Meses depois, eu fui dispensada do estágio junto com outras duas meninas por problemas internos da empresa, mas isso é só um detalhe... Vida de adulto, né?

Eu sei dizer que nessa corda-bamba entre emocional e financeiro, estágio e ballet e a preocupação com a faculdade, eu segui adiante. Percebi, e minha professora também, que eu não estava rendendo tanto quanto deveria. A colega que prestou o exame comigo, além de fazer aulas aos sábados, também fazia durante a semana pela manhã. Eu tentei pegar uma dessas aulas, mas a demora do ônibus era tanta que me fez desistir. Eu não tinha espaço em casa pra estudar como deveria. O que fazer? A ideia veio: eu coloquei minha roupa de ir pra aula de ballet, coloquei as músicas do exame no celular, peguei o fone de ouvido, a bolsa e fui estudar na quadra do Sesc, que ficava há alguns quarteirões da minha casa. Como diz meu namorado: "quem quer, dá um jeito", e esse foi a maneira que eu encontrei de estudar mais vezes na semana pra fazer uma boa prova.

E posso dizer que deu resultado. Até a professora notou a diferença no meu desempenho! As semanas foram passando, o exame se aproximando. Veio o ensaio com a pianista, onde fizemos os ajustes necessários para o dia. E quando o exame chegou... eu tive que enfrentar prova e mudança de casa no mesmo dia! Minha prova era de manhã, e a mudança também. Foi uma loucura! Levantamos muito cedo, ajudei minha mãe com as coisas e principalmente com os gatos (na época eram dois, hoje temos quatro!). Fui até o novo apartamento, deixei eles acomodados, assim que minha mãe chegou fui correndo pro exame! E a casa nova era num bairro bem distante, ou seja, levaria mais de uma hora até a escola.

Quando cheguei, estava até meio desnorteada, mas procurei manter o foco, afinal aquelas provas eram muito importantes pra mim. Eu dei o meu melhor, houve momentos em que achei que a minha nota de musicalidade cairia, mas essa se manteve alta. Em compensação, outros pontos avaliados no exame fizeram com que minha nota final ficasse dois pontos abaixo de merit (a medalha de prata, cuja pontuação vai de 55 à 74).

Foi duro chegar até ali, minha nota não foi das melhores, mas fui aprovada. E digo mais, me considero uma vitoriosa, pois passar por tudo o que passei e ainda enfrentar prova e mudança de casa no mesmo dia não é pra qualquer um! Com toda a certeza, foi um ano difícil e cheio de desafios, mas no fim, acho que valeu a pena :)

Vocês devem estar se perguntando: e o grade 8, você já prestou? Ainda não. Estou esperando pra fazer essa prova há cinco anos e ainda não aconteceu por vários motivos: financeiro, emocional, pandemia, a doença do meu avô (ele tinha Alzheimer), e principalmente, o fato de que antes eu não me sentia preparada, física e emocionalmente. Em 2017 cheguei a conversar com minha professora e ela me me aconselhou a prestar o grade 5 antes do grade 8, pois não se deve pular etapas. Porém, eu sempre escutava que eu tinha terminar logo, lembram?

Nunca tinha falado a respeito disso com a minha mãe. Fiz isso somente no ano passado, quando vim pra Americana e comecei a fazer aulas na escola daqui. Fiz um apanhado geral da minha trajetória no ballet, sobre o quanto, desde o começo, acabei pulando muitas etapas importantes. E que no fim, foi bom não ter prestado antes, pois independente das circunstâncias, eu não me sentia preparada. Hoje, as coisas mudaram e eu vou fazer essa prova. Dá aquele frio na barriga? Sempre! Mas digo uma coisa: de 2022 não passa!

Comentários

  1. Amiga dá um orgulho de ler sua história e vê como você é persistente, focada e dedicada e mesmo com todos os imprevistos você não desistiu.
    A dança as vezes pode ser ingrata e realmente te pegar de jeito...
    Não desista dos seus exames que tenho certeza que você vai conseguir se formar!

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  2. Muito obrigado pelo material disponibilizado e que nos permite desfrutar do Ballet de uma forma mais ampla. Saudações do País Basco.

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