Quem é a Protagonista?

No ano passado, eu comecei um quadro aqui no blog chamado "As Histórias de Vocês", no qual a proposta é que vocês me contem como conheceram o Vídeos de Ballet Clássico e de que forma esse projeto impactou na vida de vocês. A ideia era postar uma história nova todo sábado e até o momento foram apenas três. Como não chegou mais nada, o quadro acabou flopando... E pra ajudar, eu também passei alguns meses meio desanimada e sem vontade de postar.

Nos últimos tempos, além de voltar a postar com frequência, eu tenho sentido a necessidade de escrever e compartilhar mais com vocês. Não somente as curiosidades desse universo que a gente tanto ama, mas também as minhas histórias e vivências. Se vocês procurarem e lerem com atenção, vão reparar que eu já contei algumas delas por aqui. No primeiro post de abril desse ano, por exemplo, eu contei sobre a vez que assisti a Suíte de Raymonda com a São Paulo Companhia de Dança e como essa récita me remeteu a uma experiência minha com a música. No último sábado, falei sobre a minha frustração de dançar uma remontagem de O Quebra-Nozes onde o tema original de um pas de deux foi substituído por uma música da Christina Aguilera. Hoje quero contar algo que é um tanto delicado, e eu não me lembro de ter visto ninguém falar sobre essa questão: professoras que dançam nos espetáculos escolares.

É uma prática comum, já vi acontecer em muitas escolas, até mesmo nas que eu já fiz aula. Minha opinião: acho legal até certo ponto. Para um aluno, ver um professor dançar pode ser uma inspiração, afinal em sala de aula eles são o nosso espelho. Claro que temos outras referências, os bailarinos que gostamos de ver dançando determinado repertório, por exemplo. Mas é natural que, com a convivência diária, a gente crie uma admiração por nossos mestres. Isso é um fato! O que eu não acho legal é quando uma professora monta um espetáculo para seus alunos e a mesma interpreta o papel principal.

Já conversei com a minha mãe diversas vezes sobre esse assunto... O que ela sempre me diz a respeito é o seguinte: "os alunos pagam para a professora realizar o sonho dela." É duro ouvir isso? É. É uma verdade absoluta? Não sei dizer... Mas se pensarmos friamente, nesse contexto esse raciocínio infelizmente faz sentido, não faz?

Como eu disse antes, acho legal ver uma professora no palco, como bailarina, mas acredito que deve haver um bom senso. Vou citar dois exemplos que vi de perto. O primeiro espetáculo que participei, em 2011, foi divido em duas partes: uma para as turmas de ballet e a outra para as demais modalidades presentes na escola, como jazz e contemporâneo. Na segunda parte, houve uma coreografia na qual minha professora, que também é diretora artística da escola, fez uma participação. Quem assiste e não a conhece, pode olhar para o conjunto e se perguntar: Quem é a professora? Afinal todo o elenco dança a mesma coreografia, os mesmos passos, não há distinção. A professora não foi a estrela, ela dança de igual para igual com suas alunas.

Depois de um tempo mudei de escola, e minha nova professora gostava de dançar nos espetáculos. Na apresentação daquele ano, (2015 - também dividida em duas partes) ela interpretou um pas de deux. Confesso: eu achei muito legal, pois além de vê-la dançar, ela o fez no final da segunda parte, que foi um divertissement, e depois que todos os alunos já tinham se apresentado. Até a minha mãe elogiou! 

No ano seguinte, ela resolveu fazer uma remontagem de A Bela Adormecida e a ideia era dividir o papel principal para que fosse interpretado por três bailarinas: a Aurora criança, a Aurora dos 16 anos e a Aurora do casamento. A princípio, achei interessante, pois já havia visto algo semelhante em uma apresentação escolar do ballet Coppélia, onde Swanilda foi interpretada por três alunas, uma em cada ato. Pensei: mais de uma aluna vai ser valorizada! Bem, a Aurora criança foi uma criação, uma coreografia inédita. A Aurora dos 16 anos, que dança o adágio da rosa e o pas de deux da visão, foi a formanda daquele ano, o que foi muito que justo na minha opinião. Já a Aurora do casamento... adivinhem? Foi a professora quem dançou. Quando eu constatei isso, fiquei duplamente decepcionada.

Primeiro, a estrela daquele ano deveria ser a formanda. Sei que ela ensaiou outro pas de deux para dançar na cerimônia de formatura, mas não importa! O momento de ser Aurora era dela e não da professora. Segundo, quando entrei na escola, contei à mesma professora que meu sonho, quando chegasse no grade 8, era dançar o adágio da rosa. Quando a montagem de A Bela Adormecida foi feita, eu estava no grade 7. Ou seja, a peça foi montada um ano antes e a coreografia que eu sonhava, dada a outra bailarina. Nada contra a formanda, pelo contrário! Como disse, era a vez dela de brilhar! Mas eu fiquei muito decepcionada com a postura da minha professora... Eu já não iria participar do espetáculo por motivos pessoais. Depois disso, a minha decisão só se fortaleceu. 

Vocês percebem a diferença nos exemplos citados? Enquanto uma dançou de igual para igual com suas alunas, e diga-se de passagem, a coreografia foi muito legal, a outra protagonizou uma parte do espetáculo, que além de ter sido um ballet de repertório, acabou, sem querer, ofuscando a formanda daquele ano. Parece que não, mas ofuscou.

Como eu disse no início, essa é uma questão delicada. Quando começamos no ballet, temos sonhos, achamos que é possível conquistar o mundo e dançar tudo aquilo que nosso coração deseja. Como diz meu namorado, sonhar custa muito mais do que dinheiro! Tudo na vida exige esforço, disciplina e dedicação, inclusive a dança! Mas nem sempre conseguimos alcançar nossos objetivos, e aí vem as frustrações, os desejos não realizados, pelos mais diversos motivos. 

É claro que o buraco dessa questão é muito mais embaixo do que aparenta. Percebam que eu disse "professoras". Vocês podem me perguntar, por exemplo: e os professores homens? Eles também dançam nos espetáculos e tá tudo certo! Será mesmo? Vamos pensar... Qual porcentagem de meninos, entre alunos e professores, costuma ter nas escolas de dança em geral? Vou tomar como exemplo O Quebra-Nozes que dancei. No elenco masculino tinha: o aluno que fez Fritz e solista de Flautas Doces, outro que dançou o soldadinho na festa de natal e O Quebra-Nozes, outro que fez o príncipe da Fada Açucarada, e ainda outro que se revezou em três papéis: Drosselmeyer, Rei dos Ratos e solista da Dança Russa. Total: quatro bailarinos. Ainda houve mais quatro que participaram da festa de natal, mas que eram da turma de dança de salão. Já o elenco feminino... Percebem?

Eu sei que nada do que disse aqui vai de fato mudar alguma coisa, mas acredito que sirva como reflexão. Penso comigo que o espetáculo é o momento dos alunos e dos formandos. Eles devem ser as estrelas! Afinal, na plateia, estão aqueles que querem ver suas(seus) filhas(os), netas(os), sobrinhas(os), irmãs(ãos), afilhadas(os), namoradas(os) ou amigas(os) dançarem.

Professoras, se quiserem dançar, dancem! Mas por favor, tenham bom senso. Seus alunos vão agradecer!

A Cássia, do blog Dos Passos da Bailarina, certa vez escreveu o texto "Se não der certo, eu viro professora!". Fazia muito tempo que eu não lia, e nossa... Como ela tem razão! Vale a leitura!

Comentários

  1. Inclusive, foi um dos motivos que falei para a minha professora, do porque eu não quero seguir como professora, pq sei q vai chegar um momento que dançar no espetáculo se torna totalmente inviável, e meu sonho no caso é dançar, não montar coreografia e ficar nos bastidores já que meus alunos estão dançando. No meu caso foi a solução que encontrei, ainda estou dando aula para duas turmas, mas não sei se ano que vem vou continuar.

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    1. Parabéns por pensar desse modo! Você está sendo honesta com você mesma e com seus atuais alunos. Eu também tenho meus sonhos, mas é necessário saber separar as coisas!

      Obrigada por comentar!

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  2. Eu como professor concordo plenamente com oq vc escreveu. Poucas vezes dancei com meus alunos e todas as vezes foi por não ter opções, como substituir algum aluno ou por falta de homens na escola.
    O momento é do aluno e não do professor e isso não pode ser tirado

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