Tentando uma Bolsa de Estudos

Nem só de tristeza é feita a vida dessa bailarina que vos escreve. É verdade que a luta continua sendo grande! Mas, como diz uma professora minha, se fosse fácil, não chamava ballet. Essa semana me lembrei de um episódio que não foi feliz, tampouco triste, mas posso dizer que, de certa forma, foi um momento de superação.

Depois do desastre que foi a minha tentativa na Escola Municipal de Música, eu meio que fiquei com receio em fazer audições. Sei que nesse caminho artístico costumamos receber muito mais nãos do que o sim,  isso faz parte. O que me traumatizou foi o tratamento daquele professor, o modo como gritou e se indignou comigo por conta de uma mera circunstância que, ao que eu saiba, não era pré-requisito para ser admitida naquela instituição. Nada justifica...

Mas posso dizer que, em 2017, eu tive uma oportunidade de quebrar esse paradigma. Na ocasião, eu estava atrás de alguma escola onde pudesse prestar o grade 8 da Royal. Onde eu fazia até o ano anterior tinha se tornado inviável, pois na época havia me mudado para um bairro mais afastado, e por conta disso, o tempo de deslocamento era maior e um tanto cansativo. Eis que descobri uma escola credenciada na zona leste de SP que iria fazer uma prova de bolsa de estudos. Era bem longe, mas como era próximo de metrô, já facilitava.

Eu me inscrevi, mas estava morrendo de medo! Medo passar pelo mesmo tipo de situação, medo de não conseguir fazer a parte de ponta... E ainda pra ajudar a minha sapatilha estava mole, precisava ser trocada e eu não poderia fazer isso a tempo da audição. Mas como se diz: se der medo, vai com medo mesmo! E eu fui.

Estava nervosa, a maioria dos bailarinos bem mais novos, mas estava lá. Fomos recebidos pela diretora, fizemos aula de barra e centro. Simplesmente isso! Não ouve gritos, nem indignação, nem perguntas que não estavam no script. Não passei, mas estava tudo bem. Foi um alívio não precisar fazer a aula de ponta. Pelo que soube quando saí de lá, pediram até fouttés para quem estava na segunda etapa! Ainda bem, pelo menos eu não passei vergonha...

Quando estava me trocando pra ir embora, uma menininha tinha acabado de fazer aula e estava saindo da escola, toda de rosa e tutu armado. Ao me ver, a bailarina grande segurando uma sapatilha de ponta, ela me deu uma mão, deu a outra para a pessoa que a estava acompanhando, e tentou ficar na ponta dos pés. Uma graça! Naquele momento, eu abaixei na altura dela e disse que um dia, ela também dançaria com uma sapatilha daquelas e poderia ser uma princesa, uma fada, uma camponesa, uma boneca... Aquilo me emocionou, mexeu com meus sentimentos e frustrações, e ao mesmo tempo me lembrou de uma coisa que até hoje não sei se foi sonho ou se foi real.

Quando eu era criança, no bairro que eu morava tinha uma escola de artes. Minha mãe garante que nunca botamos os pés ali, mas na minha lembrança parecia que sim. Tenho uma imagem na minha cabeça de uma sala com o chão de madeira corrida, uma parede espelhada e uma vitrola. Parecia ser no andar superior daquele local. E eu me lembro de uma professora de ballet mexendo num disco e uma criança esperando a música tocar para a aula começar. Pode ter sido sonho, pode ter sido visão... E por conta da ligação que criei com o ballet, sempre pensei que aquela criança poderia ser eu. Mas quando tive o encontro com aquela menininha, passei a me questionar: quem é a professora e quem é a aluna?

Geralmente eu sou péssima para me lembrar de sonhos, pois durmo muito pesado. Se cai uma bomba, eu não acordo! São raras as vezes que consigo me lembrar, mas quando lembro, sempre são coisas muito significativas. Essa imagem nunca saiu da minha cabeça. Seria esse um indício do meu caminho na dança? Com dizia Shakespeare, há mais mistérios entre o céu e a terra do que acredita a nossa vã filosofia.

Bem, uma coisa é fato: posso ainda não estar dando aulas práticas, mas através dos workshops tenho ensinado tudo o que aprendi nesses anos todos a respeito dos repertórios a nível histórico e musical. Posso não ter me tornado a artista de palco que eu sonhava, mas penso que estou encontrando o meu lugar...

Comentários

  1. Vá em frente menina corajosa!!
    se a vida te der limões,
    faça limonada!!
    muito sucesso!!

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