O que importa é a medalha de ouro!

Essa semana, eu estava conversando com um amigo e ele citou algumas escolas de dança da região dele que se importam mais com algo superficial do que com a dança como um todo. Claro que não se pode julgar o livro pela capa, quem olha de fora nem imagina as agruras que podem estar acontecendo nos bastidores. Mas essa conversa me lembrou um episódio que eu vivenciei há alguns anos e posso falar com todas as letras: há instituições que só ligam para o pódio mais alto, a medalha de ouro, seja em um festival (nacional ou internacional) ou um exame da Royal Academy of Dance. Sim, vocês leram certo.

Eu estudo Royal desde que comecei no ballet. Escolhi o método por permitir me formar como bailarina independente da idade. No meu conhecimento, para prestar os exames da Royal é necessário aprender bem as matérias e apresentá-las ao examinador para obter a melhor pontuação possível. Para ser aprovado, é necessário tirar no mínimo 40 pontos. A partir disso, você pode receber a medalha de bronze - pass (se tirar de 40 a 54 pontos), a medalha de prata - merit (se tirar de 55 a 74 pontos) ou a medalha de ouro - distinction (de 75 a 100 pontos). Independente do resultado, todos os alunos são livres para fazer as provas... Ou pelo menos deveria ser assim. Quando eu saí da primeira escola, onde estudei por quatro anos, pesquisei por outras antes de me matricular em uma de São Caetano. Cheguei a fazer uma aula experimental num estúdio que ficava no bairro da Santa Cruz (SP). Gostei da professora, a sala era gigante, a mensalidade um pouco mais cara, mas estava disposta a fazer as aulas ali, afinal essas provas são muito importantes para mim.

Aquela escola fazia os exames no primeiro semestre, que geralmente acontecem entre maio e junho, e tinha uma data limite para inscrição. Certo dia, liguei na escola e acabei conversando com o dono. Tinha se passado pouco mais de um mês da aula experimental, e eu estava apavorada pois a data estava se aproximando e ainda não tinha conseguido efetivar minha matrícula. Ao explicar a situação, aquele professor foi taxativo: não iria deixar eu me inscrever para o exame. Primeiro disse que eu teria que saber a matéria toda, mesmo faltando dois ou três meses para a prova (eu não lembro ao certo). Nem dizendo que eu sabia toda a barra e parte do centro, ele não aceitou. Eu entendo que é necessário ter a matéria bem incorporada para prestar o exame, mas não era só isso. A justificativa que ele deu foi além: ele só permitia alunos que tivessem a probabilidade de tirar 75 pontos ou mais. Ou seja: ele só se importava com a medalha de ouro! Quem não estivesse nesse patamar, não podia se inscrever para os exames na escola dele. Simples assim!

Preciso dizer que eu achei um completo absurdo? Que eu saiba, esse critério não existe no regulamento da Royal para o estudo dos grades. Nos vocacionais, é necessário tirar 75 pontos ou mais apenas no advanced II, e isso se o candidato tiver a intenção de fazer o Solo Seal (Selo Solista, para quem quer seguir como bailarino profissional). Me corrijam se eu estiver errada!

Eu ainda tentei ligar naquela escola e falar direto com a professora que deu a aula experimental, o dono atendeu de novo e foi claro ao dizer que, se eu continuasse a insistir em prestar o exame, ele não aceitaria a minha matrícula. Bem, o que aconteceu foi que ele perdeu uma aluna muito dedicada, foi uma mensalidade que ele deixou de ganhar.

É realmente triste constatar que existem pessoas com uma mentalidade tão pequena. Ganhar a medalha de ouro até é legal, é a coroação de um trabalho bem feito. Mas ballet é muito mais do que isso, é um processo de construção que deve ser aproveitado ao máximo! Certa vez, vi uma entrevista do Thiago Soares, onde ele contou que entrou para o Royal Ballet depois de ser premiado em um festival na Rússia. Na companhia, ele começou de baixo, no corpo de baile. Seu primeiro papel foi no ballet Mayerling, apenas uma entrada de cinco minutos no final da peça. "Nessa hora, eu pensei: e a minha medalha de ouro?", indagou Thiago, completando que para ser bailarino de companhia, independente de quantas medalhas a pessoa tenha conquistado em festivais, é necessário ter humildade para seguir nesse caminho.

Às vezes, a gana por uma medalha é tanta que a pessoa nem olha para os lados, só isso importa e mais nada. Mas você já parou pra pensar que, quando chegar nesse ponto, as pessoas ao seu redor podem te perguntar como foi o processo? Cuidado, talvez você nem saiba o que responder... Por isso, prefiro ficar com o que aprendi com um professor há alguns anos: "não importa se você errou a execução, e sim se você entendeu como se faz o exercício." Concorda?

*Estava olhando o regulamento da Royal mais atentamente e existem algumas condições específicas para aprovação em alguns níveis. Para o Grade 8 é necessário tirar no mínimo 40% da nota em cada solo (no total são 4 e cada um vale 20 pontos). Para os advanceds I e II, é necessário tirar no mínimo 4 pontos em cada componente do exame. Só pra contextualizar, na época que eu procurei aquela escola, eu faria o grade 4 ou  5. Nesse caso, essas regras não se aplicam.

Comentários

  1. A dança que deviria ser uma arte, tá se tornando um produto onde essas empresas só pensam em lucrar e ter uma "reputação" de ser a melhor sempre. Os alunos que querem fazer a dança como um passatempo ou algo do tipo ficam perdidos nessa ganância toda. Difícil viver de arte honesta nesse país

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    1. Eu diria mais Rique, os alunos que dançam por hobby e os que começaram depois de adultos, dependendo da escola, acabam sendo preteridos em detrimento daqueles que podem dar algum retorno. É triste...

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